5.4.17

Queremos mesmo produzir filhos tiranos?


Ontem improvisamos o jantar. Bacalhau com broa para os adultos e nuggets com arroz para as crianças. Além disso, ainda as brindei com batata frita e permiti-lhes a loucura de as mergulharem em ketchup.
Tínhamos sopa também, recusada pelas três.
Quando me preparava para me sentar depois de não sei quantas vezes ter ido ao frigorífico, à gaveta~dos talheres e ao microondas, deparo-me com as duas mais pequenas a pedirem ovo estrelado. Respondi-lhes que não, que os ovos não estavam previstos e que ia, finalmente, sentar-me também para comer. Ao que o homem interfere para me questionar, "porque não lhes estrelas uns ovos? Só fazem bem!".
Respirei fundo e ainda cheguei a colocar o tacho no fogão. Mas, respirei fundo, outra vez, e disse, "não! Têm sopa. Que também faz bem e vai saciá-las se o jantar não lhes for suficiente". Ele concordou comigo, mas ambas torceram o nariz. Ainda assim, terminaram com um belo creme de legumes.
Sem exageros, eu diria que isto é educar. É sermos muro que não verga ao bel-prazer dos nossos filhos. Ou, pelo menos, não verga sempre porque também defendo que não ama quem nunca disse não e permitiu o sim, como tudo na vida com a devida dose.
Também no final de semana reencontrei familiares com quem há muito não privava. Um deles, meu primo, destacava-se pelo respeito que impunha às filhas. Era quase sempre criticado pelo excesso de autoritarismo, mas desta vez, desabafou comigo sobre como não conseguia impor limites ao neto e sempre que o tentava fazer levava com a reprimenda da mulher. "Não grites com o menino" nem quando joga à bola dentro de casa ou num acto desafiador te levanta a mão.
Imediatamente, lembrei-me do livro do psicólogo Javier Urra, "O Pequeno Ditador" que por acaso, ou nem tanto, já atingiu a 18ª edição.
O terapeuta acabou agora de lançar "O Pequeno Ditador Cresceu" e mais uma vez refere o que ele considera serem os "pais helicóptero" sempre a supervisionarem a criança, aflitos ao menor "aiii", preocupados para que não caiam, não sujem, não esfolem, não chorem, não comam terra. E neste capítulo, é tão mais seguro tê-los sentados no sofá agarrados ao ipad ou colados na TV.
Esta geração de pais - onde pela idade também me incluo - sobremima os filhos e tem a presunção de achar que os pode proteger sempre. Pois, haverá um momento em que a criança se vai equivocar e sentir um rei, ou rainha. Os nossos filhos são tão importantes como os outros. Não são menos, mas também não são mais. E é com base nesse pressuposto que devem ser educados.Para se tornarem adultos de bem.
Ao contrário do que acontece em países como Angola ou Quénia em que é impensável uma alteração das regras da casa e da estrutura familiar, nos países europeus passamos de um autoritarismo exacerbado pela figura do pai para uma deturpação imperdoável das hierarquias. E se o permitimos, teremos que estar prontos para no futuro pagar uma cara factura da nossa fraqueza. Porque, achamos nós, que para ganharmos o carinho dos filhos temos de nos deixar manipular por eles.
As crianças precisam de limites para evitar que se tornem tiranas e nos releguem para o papel de escravos.
No livro Javier Urra escreve que "há crianças com menos de sete anos que dão pontapés às mães e estas dizem isso não se faz enquanto sorriem". Eu já vi. Atrevo-me a perguntar quem não viu???
Querer e amar um filho não é dizer sim a tudo. Muito pelo contrário.
A minha pergunta é: queremos mesmo produzir filhos tiranos que se presumam mais do que os outros?
Eu, grávida do terceiro, definitivamente não quero!

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